Empresas e associações estão se preparando para uma relação com o governo diferente da que vigorou nos últimos anos. O legado da Operação Lava-Jato, a ênfase da equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) à necessidade de o setor privado ser mais propositivo e menos dependente de subsídios e o perfil técnico e liberal de alguns dos escolhidos para a nova gestão levaram a ajustes na estratégia de diálogo com Brasília e à busca de novos caminhos de interlocução. “A forma de atendimento do governo será outra”, diz um executivo da indústria.
A avaliação é a de que o relacionamento vai mudar diante da maior proximidade entre poder público e empresas. Para encurtar distâncias, diz uma fonte, a secretaria especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, subordinada ao Ministério da Economia, despachará em São Paulo duas vezes por semana. A pasta será uma das principais portas de diálogo com o Executivo.
Outros interlocutores também são buscados. O Valor apurou que, recentemente, a Odebrecht Engenharia e Construção (OEC) manteve conversas preliminares com o general Paulo Chagas sobre a possibilidade de ele prestar consultoria para a empresa em Brasília, no caso de a OEC reabrir o escritório na capital. Chagas concorreu ao governo de Brasília pelo PSL.
No ensino superior, uma fonte aposta que a principal interlocutora das faculdades será Elizabeth Guedes, vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Privadas (Anup), devido à proximidade com o futuro ministro da Economia – de quem é irmã – e profundo conhecimento do setor. Na crise do Fies, programa de financiamento estudantil, Elizabeth foi bastante atuante nas relações com o governo, tanto com a pasta da Educação quanto Fazenda e Planejamento. “Já começou um beija-mão”, diz a fonte.
No entanto, outra fonte lembra que a prioridade do governo Bolsonaro deve ser o ensino básico e não o superior, como em gestões anteriores. Até agora, as principais entidades de educação não conseguiram contato com o novo ministro, Ricardo Vélez Rodrigues.
Na semana passada, o futuro secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos Alexandre da Costa, se reuniu com representantes da indústria e, segundo um dos presentes, a promessa foi de uma interlocução mais direta, sem interferência de interesses político-partidários. “Esperamos que o governo esteja mais perto de onde os negócios estão acontecendo”, diz o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini.
Um dia antes de ser oficializado no cargo, Costa já falava sobre o futuro das relações com o empresariado no Encontro Nacional da Indústria Química (Enaiq), promovido pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). A entidade integrou a coalizão de dez associações setoriais que entregou ao futuro presidente, no fim de outubro, os grandes temas que as afligem. Agora, seguirá usando sua estrutura de diálogo com o poder público, que não contempla escritório em Brasília. “A coalizão foi bem-sucedida e conseguiu conversar com os principais atores naquele momento”, disse o presidente-executivo Fernando Figueiredo.
Tradicionalmente, o contato direto se dá entre a diretoria de relações institucionais ou a própria presidência-executiva da Abiquim e parlamentares e Executivo. Para apoio em grandes temas, o setor trabalha com a Frente Parlamentar da Química (FPQuímica), que reúne deputados e senadores de diferentes partidos. Bolsonaro indicou que pretende tratar diretamente com as frentes parlamentares e, assim, evitar o toma-lá-dá-cá nas negociações diretas com partidos. Mas os próprios líderes dessas frentes têm dito que a estratégia não funcionará. “A frente não define voto, só apoio. É o partido quem manda”, afirmou uma fonte.
Na Odebrecht Engenharia e Construção, a relação com o novo governo “vai ser um trabalho em processo”, disse seu presidente, Fábio Januário. “Vamos esperar o início do mandato, mas nossa prioridade é fazer o relacionamento institucional legítimo via entidades de classe e associações.”
Segundo ele, a relação da OEC com o poder público mudou após a colaboração firmada em fins de 2016, depois que as investigações da Operação Lava-Jato apontaram a empresa no centro de várias operações irregulares. Na virada para 2017, a OEC fechou o escritório que mantinha em Brasília. “Tomamos essa decisão porque sabíamos que os próximos anos seriam complexos devido ao impacto da nossa colaboração”, afirmou.
Mas Januário disse que, eventualmente, uma base em Brasília pode ser reaberta, pois há matérias que tramitam no Congresso de interesse do setor e o poder público é cliente da OEC em projetos importantes. Por enquanto, não há decisão. Questionada sobre o nome de Chagas, a OEC não comentou.
Já o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada – Infraestrutura (Sinicon), Evaristo Pinheiro, disse que a postura da associação “continuará a mesma”: defender pautas que perpassam o setor em vez de demandas personalistas. Entre assuntos de interesse geral, citou mudanças nas leis de licitações e ambiental. Segundo ele, em conversas preliminares com o novo governo, ficou claro maior abertura para ouvir. Para ele, seria ideal regulamentar o lobby para dar transparência às relações público-privadas.
Representantes de entidades que reúnem hospitais encontraram o novo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), na semana passada, em Brasília, para conversar sobre questões que preocupam o setor. Em especial, sua posição contrária à participação do capital estrangeiro na saúde. “O novo ministro explicou que o problema não é o investimento internacional, mas precisa ter mais regras. Saímos com boa impressão porque me parece que ele está aberto a conversar”, disse Francisco Balestrin, presidente da International Hospital Federation.
Fonte: Valor Econômico. Jornalistas Stella Fontes, Fernanda Pires e Beth Koike, 18/12/18.