No início da década de 70, apesar de ser conhecido que algumas drogas tinham comportamento instável (por exemplo, a penicilina) , não existia regulamentação sobre a estabilidade de produtos farmacêuticos. Para assegurar “identity, strength, quality and purity” do produto, em 1975 a USP (United States Pharmacopeia) estabeleceu recomendações sobre a data de expiração de um produto. As primeiras técnicas estatísticas foram propostas pelo FDA em 1984.
Em 1993 durante o “International Conference on Harmonization” – ICH, foi proposto um guia para os estudos de estabilidade (ICH Q1 A, 1993). A partir disto, diversas normas foram propostas para padronizar os estudos de estabilidade de produtos farmacêuticos.
A ANVISA estabelece através da CP 453/2017, encerrada em 09/04/2018, as diretrizes para os estudos de estabilidade de produtos farmacêuticos no Brasil. A CP 453 estabelece os critérios para a realização dos Estudos de Estabilidade de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), e de medicamentos novos, genéricos, similares, dinamizados, específicos, de notificação simplificada, fitoterápicos e radiofármacos.
Normas ICH:
1. Q1A (1993) : Stability testing of new drug substance and products;
2. Q1A (R2) (2003) : Stability testing of new drug substance and products;
3. Q1B (1996) : Photostability testing of new drug substance and products;
4. Q1C (1997) : Stability testing of new dosage forms;
5. Q1D (2003) : Bracketing and matrixing designs for stability testing of new drug substance and products;
6. Q1E (2004) : Evaluation of stability data;
7. Q1F (2004) : Stability data package for registration applications in climatic zones III and IV;
8. Q3A (2003) : Impurities in new drug substance;
9. Q3B (1996) : Impurities in new drug products;
10. Q3B (R) (2003) : Impurities in new drug products;
A definição de estabilidade farmacêutica evoluiu ao longo do tempo: segundo Chow (2007), o termo estabilidade farmacêutica pode incluir diferentes elementos. A interpretação mais comum consiste em avaliar a estabilidade química de uma droga na forma de dosagem. Porém, a performance de uma droga em cápsula também depende de outros fatores, como a dissolução e a dureza. Neste caso, estes parâmetros também precisam ser levados em consideração no estudo de estabilidade. No guia do FDA, a estabilidade farmacêutica é definida como a capacidade de um produto permanecer dentro das especificações estabelecidas para assegurar sua “identity, strength, quality and purity”.
Conforme a CP 453/2017 da ANVISA, a estabilidade de fármacos é estudo projetado para testar e prover evidência quanto à variação da qualidade de IFA ou medicamento em função do tempo, diante da influência de uma variedade de fatores ambientais, tais como temperatura, umidade e luz, além de outros fatores relacionados ao próprio produto, como as propriedades físicas e químicas do IFA e dos excipientes farmacêuticos, bem como da forma farmacêutica, do processo de fabricação, do tipo e propriedades dos materiais de embalagem, com o objetivo de estabelecer a Data de Reteste do IFA ou o Prazo de Validade do IFA e do medicamento.
Há diferentes abordagens para o estudo de estabilidade:
ESTUDOS DE ESTABILIDADE ACELERADA
Estudo projetado para avaliar possíveis alterações físicas, químicas, biológicas e microbiológicas de IFA ou medicamentos, em condições forçadas de armazenamento, visando a auxiliar na determinação do Prazo de Validade e avaliar o efeito de curtas excursões fora dos Cuidados de Conservação preconizados.
ESTUDOS DE ESTABILIDADE DE LONGA DURAÇÃO
Estudo projetado para verificação das características físicas, químicas, biológicas e microbiológicas de IFA ou medicamento, nas Condições de Armazenamento e Prazo de Validade propostas. Para IFA, este estudo também pode ser utilizado para definição da data de reteste.
ESTUDOS DE ESTABILIDADE DE ACOMPANHAMENTO
Estudo realizado após a concessão do registro, com o objetivo de monitorar e confirmar o Prazo de Validade do medicamento ou IFA.
ESTUDOS DE ESTABILIDADE EM USO
Estudo projetado para medicamentos acondicionados em Embalagens Multidose, com a finalidade de prover informação inicial e final que comprove o período de utilização pelo qual o produto mantém sua estabilidade, após abertura e subsequentes reaberturas da Embalagem Primária, e armazenamento nas condições determinadas pelo período de utilização.
ESTUDOS DE ESTABILIDADE DE DEGRADAÇÃO FORÇADA
Estudo que permite a geração de produtos de degradação, por meio da exposição do IFA ou produto acabado a condições de estresse, como luz, temperatura, calor, umidade, hidrólise ácida/ básica, oxidação, entre outras.
ESTUDOS DE FOTOESTABILIDADE
Estudo que tem a finalidade de demonstrar que o produto, quando exposto à luz, se mantém dentro das especificações.
Um dos principais objetivos de um estudo de estabilidade consiste na determinação do prazo de validade do produto. Conforme CP453/2017, o prazo de validade corresponde ao tempo durante o qual o IFA ou o medicamento poderá ser usado, caracterizado como período de vida útil e fundamentado nos Estudos de Estabilidade específicos, mantidas as Condições de Armazenamento e transporte previamente estabelecidas.
Um bom planejamento é fundamental para que possamos realizar um estudo de estabilidade. Para isto é necessário conhecermos a molécula, processo de fabricação, forma de armazenamento, entre outras propriedades do IFA ou medicamento. Para o estudo de estabilidade, precisamos de um protocolo de ensaio detalhado e também de um protocolo estatístico descrevendo a metodologia aplicada para análise dos resultados.
Conforme CP 453/2017, petições de registro de IFA, registro de medicamento, inclusão de nova concentração e de nova forma farmacêutica não serão deferidas antes da apresentação dos estudos mencionados na CP 453 com resultados de, no mínimo, 12 (doze) meses. Alem disso, o estudo de estabilidade acelerado deve ser realizado mesmo que tenhamos finalizado o estudo de longa duração.
A ANVISA deve ser imediatamente notificada nos casos de resultados fora da especificação em Estudos de Estabilidade, de condição aprovada. As ações corretivas tomadas pela empresa devem ser informadas. Se o resultado fora da especificação ocorrer em Estudo de Estabilidade de Acompanhamento, a empresa deverá realizar novo Estudo de Estabilidade de Longa Duração ou justificar tecnicamente por que esse estudo não é necessário.
Para fins de registro e mudanças pós-registro, são aceitos como Estudo de Estabilidade Reduzido os modelos por Agrupamento e Matrização. O uso do modelo reduzido somente será aceito se os dados não obtidos forem corretamente representados pelos dados obtidos. Os dados de Estudo de Estabilidade em modelo reduzido devem ser avaliados conforme os mesmos modelos e técnicas utilizados para os dados de um modelo de estudo completo. No caso de reprovação de teste em um determinado tempo, este teste será considerado reprovado neste mesmo tempo em todos os estudos nos quais ele não tenha sido realizado. Para maiores detalhes sobre os estudos de estabilidade de fármacos conultar a CP 453/2017.
Na sequência, descrevemos o experimento e a análise estatística utilizada para realizar o estudo de estabilidade de longa duração e como podemos utilizar este experimento para determinar o tempo de prateleira de um produto farmacêutico. Os requisitos para desenvolvimento do experimento são:
Requisitos Básicos:
– Utilizar pelo menos três lotes;
– Realizar réplicas de cada lote e tempo;
Intervalo de tempo:
– 3 meses no primeiro ano;
– 6 meses durante o segundo ano;
– anualmente após o segundo ano;
Assim, temos: 0, 3, 6, 9, 12, 18, 24, 36 e 48 meses para um produto com duração de quatro anos de estudo de estabilidade;
Para produtos com degradação rápida, estratégias de amostragem apropriadas devem ser utilizadas;
Tempo de Execução do estudo de estabilidade (EU: mínimo 6 meses, USA e Japão: 12 meses);
Extrapolação: Não ultrapassar 6 meses;
Período do estudo: o estudo deve cobrir um tempo de no mínimo 6 meses antes da data de expiração do produto;
Sistema de Medição: Curva de calibração, Validação de método;
A similaridade entre as curvas de degradação para cada lote ensaiado deve ser avaliada através da aplicação de testes hipóteses para igualdade dos coeficientes angulares e interceptos a um nível de significância de 0,25.
O prazo de validade ou tempo de prateleira é definido através do estudo de estabilidade. Para determinarmos o prazo de validade de um produto farmacêutico, a CP 453/2017 recomenda utilizarmos pelo menos 3 lotes de fabricação para incluirmos a variação entre lotes.
Apesar de podermos calcular um prazo de validade para cada lote, é desejável estabelecermos um único prazo de validade para todos os lotes de fabricação. Antes de combinarmos os dados de estabilidade, precisamos avaliar a similaridade entre os lotes. A similaridade entre os lotes é avaliado pelo teste de hipóteses de igualdade dos interceptos e o teste de hipóteses da igualdade dos coeficientes angulares das curvas de degradação dos lotes. O guia do ICH recomenda um nível de significância de $ 0,25 $ para concluir os testes. Se a hipótese de igualdade dos interceptos e dos coeficientes angulares não for rejeitada ao nível de significância de $ 0,25 $, então os dados do estudo de similaridade são agrupados para determinarmos o tempo de prateleira através de um modelo de regressão linear simples. Se a hipótese de igualdade dos interceptos e ou dos coeficientes angulares for rejeitada, o guia do ICH sugere que o prazo de validade seja determinado pelo menor tempo entre os lotes avaliados.
Da mesma forma que no ICH Q1E, o Guia de estabilidade da ANVISA sugere uma análise de tendência para tratar os resultados do estudo de estabilidade de longa duração. Esta técnica permite verificar a tendência de alteração do produto, ou seja, como determinado parâmetro varia em função do tempo. Parâmetros quantitativos como teor e produtos de degradação são geralmente passíveis de análise de tendência, enquanto parâmetros de desempenho, como dissolução, geralmente não tem tendência tão facilmente determinada.
Outro ponto fundamental na análise estatística é a avaliação da variação interlotes. Essa variação será determinante na avaliação da confiança na análise de tendência e na possibilidade de aplicação de modelos de estudo de estabilidade reduzido. É importante avaliar se as variações interlotes são devidas apenas a desvios de análise ou se há algum fator relacionado ao lotes que causa variação. Variação não coerentes devem ser investigadas e justificadas. Como dissemos, para avaliar a variação interlotes, o ICH Q1E recomenda um teste de comparação de curvas interlotes com nível de significância de $ 0,25 $. Neste caso, a diferença entre os interceptos significa que os lotes começaram de valores distintos no início do estudo de estabilidade. Isto quer dizer, que o processo de fabricação pode apresentar variação indesejada e por isso, devemos investigar as possíveis causas. Por outro lado, se as tendências de degradação do produto interlotes são distintas, temos um comportamento distinto do produto interlotes. Mais uma vez, as causas devem ser investigadas.
Conforme Guia de estabilidade da ANVISA, é importante definir se variações interlotes são devidas apenas a desvios de análise ou se há algum fator relacionado ao lote que causa a variação. Por isso, é preconizado no Guia que variações que não sejam coerentes com variação de análise esperada devem ser investigadas e justificadas. Tal investigação deve envolver revisão dos processos de fabricação dos lotes e tentativa de identificar qual(is) diferença(s) na produção levaram à variabilidade. Caso ela seja atribuída a algum fator específico de produção, pode ser necessário melhorar os controles sobre este fator, ou definir o prazo de validade apenas com base no lote fabricado com a combinação de fatores que resultou em menor estabilidade (pior caso). Neste caso, definimos o prazo de validade a partir do lote com pior comportamento.
Conforme preconizado no Guia de estabilidade da ANVISA, os resultados fora de tendência (ou seja, aqueles resultados que, durante a análise de tendência não foram coerentes com o comportamento observado) devem ter as causas para o desvio apresentadas. O motivo dessa requisição é a necessidade de avaliar o modelo como um todo e evitar distorções relacionadas a erros diversos, que podem comprometer a análise estatística. Para demonstrar que determinado resultado está fora da tendência, recomenda-se um teste estatístico adequado para apontar outliers.
Embora todos os tipos de estudo precisem ser avaliados, o tipo de avaliação será diferente para cada estudo. O estudo de longa duração permite análise estatística e, principalmente, análise de tendência muito mais robustas, porque tem mais tempos de análise. Estudos acelerados e de acompanhamento também permitem análise estatística, mas em muito menos detalhes. Para os estudos acelerados, as “alterações significativas” devem ser consideradas na avaliação, conforme definido no Guia de estabilidade da ANVISA.