Nos últimos sete anos, pelo menos 242 estudos clínicos, que antecedem o lançamento de medicamentos no mercado, deixaram de ser realizados no Brasil, representando perda de R$ 490 milhões em investimentos, de acordo com levantamento da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), que reúne os laboratórios multinacionais presentes no país.
Esses números podem ser ainda maiores, segundo o presidente-executivo da entidade, Pedro Bernardo, já que a pesquisa foi feita com 21 empresas de um universo que supera 200 farmacêuticas. Segundo dados ClinicalTrials.gov, portal do governo americano que reúne informações mundiais sobre pesquisas clínicas em andamento, há neste momento 390,25 mil estudos em andamento no mundo. O Brasil, que tem o sexto maior mercado mundial de medicamentos, aparece em 14º lugar, com 6,445 mil estudos em curso.
Para Bernardo, o Brasil teria condições de no mínimo dobrar esse número e avançar degraus no ranking, considerando-se o tamanho da população e a genética diversificada, que torna o país atrativo a esse tipo de estudo. “O Brasil tem potencial grande, mas o número de estudos não está compatível”, diz. Com a posição atual, o país tem participação de 1,65% no total de pesquisas conduzidas mundialmente. Líder no ranking, os Estados Unidos aparecem com 113,103 mil pesquisas, equivalente a quase 29% do total.
Segundo a indústria farmacêutica, um dos principais entraves ao avanço do número de estudos é o tempo de aprovação das pesquisas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Aqui, o aval leva em média 12 meses. Nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, esse prazo é inferior a três meses.
O grande problema do prazo mais longo é que essas pesquisas são realizadas ao mesmo tempo em diferentes países. Por causa da demora, explica Bernardo, o Brasil acaba ficando fora dessas iniciativas ou perdendo o investimento para outros mercados. Enquanto a ANVISA é responsável pela análise dos aspectos sanitários das pesquisas, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que está vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), avalia o atendimento a questões éticas, como a não exposição do paciente a riscos. Algumas exigências do Conselho CNS, conforme a indústria, também acabam inviabilizando a escolha do Brasil como palco de determinadas pesquisas. A exigência de acompanhamento do paciente pelo pesquisador, com fornecimento do tratamento ao longo de toda a sua vida, é um dos pontos que deveriam mudar, diz Bernardo. “Deveria se estabelecer um período de acompanhamento, como faz a maioria dos países”, afirma.
Um projeto de lei de 2015 do Senado, o PL 200, ainda em tramitação e que pode alterar as regras para a condução de pesquisas clínicas com pessoas por instituições públicas ou privadas. A intenção inicial do projeto, conta presidente da Interfarma, era simplificar o processo e se aproximar das regras estabelecidas por países desenvolvidos, contemplando asgarantias da Organização Mundial da Saúde (OMS). Contudo, o texto atual, praticamente não traz mais mudanças em relação às regras em vigor.
Segundo Bernardo, a realização de pesquisas clínicas no país é relevante já que pode garantir o acesso de pacientes a um tratamento que ainda não está disponível. Os estudos que deixaram de ser conduzidos no país nos últimos sete anos poderiam ter beneficiado 12.844 pacientes antes do lançamento oficial dos medicamentos. Procurada, a ANVISA não deu retorno.
Fonte: Valor Econômico, Jornalista Stella Fontes.