O Brasil estimula a transferência de tecnologia e a produção local de Biofármacos, considerados a nova fronteira do conhecimento na área farmacêutica em âmbito global. O objetivo é dominar o ciclo de desenvolvimento de uma classe de medicamentos considerada estratégica não apenas em função do impacto nas compras do governo para abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS), mas também porque sua aplicação contribui para mudar a abordagem no tratamento de doenças a que se destinam.
A importância dos biofármacos se mede ainda pela eficácia em relação aos medicamentos tradicionais existentes no mercado. Em algumas situações, sua aplicação pode gerar resultados mais favoráveis que de outras drogas. O ponto central é que a disponibilidade amplia a possibilidade de estabelecer protocolos mais avançados de terapias, baseados na combinação de diferentes tipos de medicamento, que aumentam a capacidade de cura ou estabilização da doença. O que se busca com essa abordagem é a compreensão do funcionamento da doença para escolher a terapia mais adequada para atacar causas e estruturas de desenvolvimento no corpo humano, explica Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo Farma Brasil, entidade que reúne dez laboratórios farmacêuticos. “Por isso, os biofármacos representam grande avanço”.
Um instrumento adotado pelo Brasil para dominar a tecnologia de biofármacos são as Parcerias para Desenvolvimento Produtivo (PDPs), que envolvem laboratórios privados (estrangeiros e nacionais) e públicos. Com a mudança promovida pelo novo governo em 2016, apenas três laboratórios públicos estão habilitados a participar desse processo: o Instituto Butantã, de São Paulo; o Instituto de Tecnologia e Imunobiológicos Bio- Manguinhos, do Rio de Janeiro, e o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).
A expectativa é que a produção local reduza os preços desse tipo de medicamento. De acordo com Arcuri, no ano passado o Ministério da Saúde comprou pouco mais de R$ 3 bilhões em biofármacos para o SUS, valor que correspondeu a 60% do total do orçamento destinado à aquisição de remédios. Em termos de volume físico, os biofármacos representaram 10% da quantidade comprada. Grande parte do montante foi fornecida pelas PDPs.
O Bio-Manguinhos contabiliza 16 projetos de biofármacos no âmbito das PDPs, que estão em diferentes estágios de estudo clínico. Três deles são originais e dependem do registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para serem comercializados. Uma das drogas se destina ao tratamento da Doença de Gaucher, que tem cerca de 700 pacientes no Brasil, e está sendo desenvolvida a partir de células de cenoura. “Essa plataforma vegetal pode ser utilizada para fabricação de outros produtos, como a vacina”, diz Maurício Zuma, diretor do instituto.
Na fase II, o Bio-Maguinhos tem sete projetos de biossimilares em fase de negociação de contratos para transferência de tecnologia. Desde julho, há um pedido de aprovação para o início da fase I de outros seis biofármacos, dos quais um é original, dois biossimilares e três inovadores. A expectativa de Zuma é que os projetos sejam aprovados até novembro.
Os biossimilares são cópias de biofármacos originais com patentes que expiraram e cujo desenvolvimento exige a realização de ensaios clínicos para atestar a comparabilidade e estabilidade em relação ao produto de referência, o que demanda tempo e investimento. A patente dos biossimilares da fase I que fazem parte da carteira de projetos da Bio-Maguinhos ainda não expirou, mas o instituto acredita que estará próximo do vencimento quando os respectivos projetos evoluírem para a fase III.
As dez empresas do Grupo Farma Brasil investiram o equivalente a R$ 2,2 bilhões em projetos de biofámiacos, valor que inclui a montagem da planta industrial e os estudos clínicos. Uma delas é a Libbs, que obteve o registro do Trastuzumabe na Anvisa e espera iniciar as vendas ainda neste ano. O laboratório concluiu estudos clínicos do biossimilar Rituximabe, que deve ser submetido a aprovação no órgão regulador no primeiro trimestre de 2018, e parte dos testes com o Benacizumabe. Já os medicamentos Adalimumabe e Etanercepte, que estão na fase de testes pré-clínicos.
Segundo Márcia Bueno, diretora de relações institucionais da Libbs, ainda não foram utilizados 50% dos RS 250 milhões previstos para bancar estudos clínicos, realizados em diferentes países com a participação de parceiros internacionais. Na categoria de molécula inovadora, destaca-se o projeto de um medicamento para tratar pré-eclâmpsia que está em fase de estudos pré-clínicos.
Os medicamentos serão fabricados na Biotec, unidade de biológicos da Libbs, em Embu (SP), que exigiu investimentos de R$ 230 milhões. Inaugurada em novembro de 2016, tem capacidade para produzir 400 quilos de moléculas por ano. Hoje, produz 130 quilos de anticorpos monoclonais, que corresponde à demanda nacional. “E uma fábrica multifuncional, que pode fabricar outros produtos biológicos”, afirma Márcia.
Muitos laboratórios desenvolvem biofármacos fora das PDPs. É o caso, por exemplo, da Orygen Biotecnologia, formada pela Biolab e pela Eurofarma, que finalizouo primeiro ensaio clínico de fase II da vacina Sm 14 contra a esquistossomose, realizada no Senegal, África Ocidental. A doença, que afeta centenas de milhões de pessoas em países pobres, tem cerca de 20 milhões de infectados nas Américas, principalmente no Brasil. Foram investidos RS 10 milhões e, conforme previsão de Andrew Simpson, presidente da empresa, serão necessárias até dez vezes mais esse valor para seguir com as próximas etapas dos estudos clínicos, que incluirão o país.
A Orygen busca formas de viabilizar financeiramente a continuidade dos testes clínicos de uma vacina de imunoterapia de vários tipos de tumor, que pode substituir a quimioterapia e ser aplicada de forma combinada com a radioterapia. “Não temos condições de investir centenas de milhões em ensaios clínicos”, diz Simpson, que está fazendo contatos com hospitais e outros institutos de pesquisas para seguir com o projeto no Brasil. A expectativa é iniciar a fase II dos estudos clínicos em 2018.
A Amgen Brasil contabiliza 13 plataformas de biofármacos desenvolvidos a partir de anticorpos monoclonais – como o Repartha, para redução da taxa de colesterol mim (LDL)-e de imunobiológicos, aplicados na área de oncologia. Uma das plantas que concentram a produção em âmbito mundial desses medicamentos fica em Porto Rico. Segundo Daniel Martinez, diretor-médico da companhia, a unidade brasileira é responsável pela realização dos estudos clínicos na América Latina.
A Janssen Brasil pretende submeter dez novas moléculas e 40 extensões de linhas de medicamentos para avaliação regulatória no país nos próximos anos. Segundo Bruno Costa Gabriel, presidente da empresa, estão previstas novas indicações dos medicamentos Dalinvi, para pacientes com mieloma múltiplo, e Stelara, que, além da Doença de Crohn, se destinará ao tratamento de doenças intestinais, como colite ulcerativa, e reumatológicas, como o lúpus.
A Sandoz, do grupo Novartis, tem dois biossimilares aprovados no Brasil: o hormônio de crescimento humano Ominitrope e o Filgastrima, indicado principalmente para redução de neutropenia. “Outros produtos estão em fase de revisão na Anvisa”, acrescenta Diego Santoro, diretor da empresa, fazendo referência ao Rituximabe, com indicação mais comum para linfoma folicular, e ao Etanercept, aplicado em pacientes com artrite reumatoide.A União Química se prepara para iniciar os ensaios clínicos do Amblyomin-X (câncer), do Interferon Alfa 2A (hepatite B e C e alguns tipos de leucemia) e de um hormônio do crescimento humano. Há estudos em andamento de um medicamento para tratar tuberculose cuja patente foi negociada com uma startup da PUC do Rio Grande do Sul, diz Miguel Giudicissi Filho, diretor científico da empresa. A produção será na planta de Brasília, que recebeu investimentos de RS 100 milhões.
Fonte: Valor Econômico, Jornalista Inaldo Cristoni, 31/10/2017.