O presidente-executivo da Interfarma, Antônio Britto, mostra que o Brasil já possui muitos cientistas e pesquisadores altamente qualificados, mas ainda não conseguimos criar um ambiente favorável à inovação.
Um dos grandes desafios da indústria de saúde no Brasil é reduzir a dependência tecnológica, com mais investimento em pesquisa e inovação. O setor conta hoje com R$ 3,6 bilhões de programas federais para financiar projetos de P&D, dos quais R$ 1,9 bilhão do Inova Saúde, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Iniciado em abril de 2013, o programa tem duração prevista até dezembro de 2017. O R$ 1,7 bilhão restante vem de programas do Ministério da Saúde. São valores que as empresas consideram insuficientes. Mas o que mais atrapalha, apontam, é a burocracia e a falta de um ambiente mais favorável à inovação. A aprovação de uma pesquisa clínica no Brasil, por exemplo, leva 365 dias, ante 30 dias na Coreia do Sul e 45 a 60 dias nos EUA.
O Brasil importa a maior parte do que utiliza, desde material hospitalar e de medicina diagnóstica até fármacos e medicamentos, com um déficit comercial que chegou a US$ 11,6 bilhões em 2014, segundo levantamento da Websetorial, consultoria econômica da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed). O maior nível de dependência está no setor de medicamentos. Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), 86% dos princípios ativos são importados. As inovações feitas no país são basicamente incrementais, ou seja, patentes já existentes com pequenas alterações de processo ou dosagem, ou associação de dois ou três medicamentos.
"Infelizmente, o Brasil tem posição medíocre na descoberta, desenvolvimento e patenteamento de medicamentos, desproporcional à qualidade de seus cientistas", diz Antonio Brito, presidente da Interfarma, que aponta como causas a desconexão entre universidade, iniciativa privada e governo e o excesso de burocracia. A exceção é a área de vacinas, desenvolvidas por institutos públicos, como Fiocruz e Instituto Butantã, que trabalham em parceria com empresas globais.
No setor de produtos para saúde, que compreende desde pinças e bisturis até equipamentos sofisticados, a produção brasileira chega a 38% do que é utilizado no país, com déficit comercial de US$ 4 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo).
O setor é composto por 13 mil empresas, 90% das quais de médio e pequeno porte, com faturamento de US$ 11,7 bilhões em 2014, equivalente a 5% do total de gastos com saúde, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed). "O Brasil é o 15º importador e o 37º exportador. Há um espaço enorme para participarmos do mercado mundial", diz Carlos Goulart, presidente-executivo da Abimed.
Segundo Goulart, mais do que financiamento, o setor precisa de um ambiente que estimule a inovação. "O governo tem reconhecido a importância da inovação, com políticas industriais e financiamento. Mas enfrentamos burocracia e lentidão para registro e comercialização de novos produtos e aprovação de pesquisas clínicas e patentes", diz o executivo. Estudo feito em 2014 pela Abimed e Fundação Dom Cabral, com 20 CEOs do setor, aponta como principais entraves a falta de articulação entre governo, universidades e indústria e o custo Brasil, que inclui a burocracia.
Para o presidente-executivo da Abimo, Paulo Henrique Fraccaro, há necessidade de reduzir o gap entre os estudos acadêmicos e as necessidades da indústria. A seu ver, o problema é o tamanho do mercado brasileiro de produtos de saúde. "Essa indústria precisa crescer para exportar. Nenhuma empresa se fortalece se não tiver participação no mercado internacional", diz Fraccaro. A exceção são equipamentos da área neonatal e de odontologia. Produtos como gabinetes e tomógrafos odontológicos e para implantes dentários criados no país registraram saldo de US$ 14 milhões em 2014, com exportações de US$ 122 milhões.
Há também casos bem-sucedidos de empenho profissional, como o do monitorador pulmonar Timpel Enlight 180, que conquistou o primeiro lugar do Prêmio Inova Saúde, da Abimo, entregue em 16 de abril. Aprovado pela Anvisa em setembro de 2014, o aparelho já é utilizado em hospitais brasileiros e exportado para a Europa e EUA, acumulando mais de 60 patentes aprovadas em outros países. Foram dez anos de pesquisa de um grupo de médicos, engenheiros, administradores, pesquisadores e fisioterapeuta e R$ 20 milhões de investimento, entre recursos próprios e de agências governamentais. Desenvolvido pela Timpel, em parceria com a Serdia Eletrônica, o aparelho captura imagens em tempo real para monitorar à beira do leito os pulmões de pacientes em ambiente hospitalar. "A ideia partiu de médicos do Hospital das Clínicas de São Paulo. Existem mais de 20 aparelhos para se verificar o funcionamento do coração, mas não havia nenhum para o pulmão", diz Rafael Holzhacker, presidente da Timpel.
Equipamentos e sistemas mais complexos, como cirurgias robóticas, são adotados por hospitais tecnologicamente mais avançados. O Hospital Albert Einstein, que adota a tecnologia desde 2009, criou, neste ano, uma associação para estender os conhecimentos às novas gerações de médicos do país, disponibilizando a médicos-residentes acesso gratuito a 1.500 vídeos dos melhores cirurgiões do mundo. "No futuro, todas as cirurgias serão robóticas", prevê o dr. Antonio Macedo, do Einstein. Especialista em cirurgia do aparelho digestivo, Macedo é o cirurgião com maior número de cirurgias feitas com ajuda de robôs no país, um total de 350 até o momento. As vantagens, segundo ele, são a precisão e melhor qualidade da cirurgia.
No Hospital Sírio-Libanês, um dos destaques é o portal do paciente, plataforma web que armazena e integra resultados de exames, prontuário médico e histórico de atendimentos e cirurgias dos pacientes. "O paciente deixa de ser passivo para se tornar cada vez mais agente ativo de seu processo de cuidar", explica o dr. Luiz Reis, superintendente de pesquisa do hospital. A tendência, segundo ele, é que tais informações sejam armazenadas na nuvem.
Conclui-se que tecnologias digitais, conhecidas como telemedicina, e-Health e m-Health, ainda estão concentradas em instituições de referência.
Fonte: Valor Econômico (29/05/2015) por Gleise de Castro.